Veja essa matéria que selecionei vindo do blog do Zeca Camargo, apresentador do fantástico. Pra quem quiser ver seus outros conteúdos só clicar aqui.
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Ademais, eu li um livro recentemente que me deixou incomodado o suficiente para ter vontade de discuti-lo aqui com você. Ele acaba de sair nos Estados Unidos. Ainda não foi traduzido para o português, mas deve ganhar em breve – início do ano que vem, talvez? – uma edição brasileira, pois seu autor é respeitado por muitos, além de adorado por outros tantos (inclusive esse que vos escreve). Apesar do que vou escrever hoje, torço mesmo para que saia logo! Estou falando de “By nightfall”, o novo (e relativamente breve) romance de Michael Cunningham.
Se o nome do autor lhe é familiar, é porque você deve ter lido sua obra de maior sucesso – ou, no mínimo, tenha talvez visto a brilhante adaptação dela para o cinema: “As horas”, dirigido por Stephen Daltry, com um elenco que reúne “apenas” Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman. Porém, se você nunca ouviu falar de Cunningham, se essa pequena obra-prima contemporânea lhe escapou até hoje, faço agora uma breve descrição das razões para você “tirar o atraso” e correr atrás dela.
Apoiado numa estrutura bem original, ele faz no livro três retratos de mulheres muito particulares. A primeira é ninguém menos que Virginia Woolf – uma das escritoras mais respeitadas do século 20, que abre o livro a caminho de seu suicídio. Porém, seu momento maior em “As horas” tem a ver com a criação de uma de suas melhores histórias, “Mrs. Dalloway” – com a angústia de não saber como começar esse livro. Em outra época (as passagens com Woolf são dos anos 20), no final dos anos 40, outra mulher vive sufocada na sua vida doméstica: Laura tem um marido que a ignora e um filho que ela já não sabe como amar, numa sociedade reprimida que está a um passo de se transformar. E “fechando” o trio, Clarissa é uma nova-iorquina “descolada” e moderna do final dos anos 90: tem uma filha, está “casada” com outra mulher, e prepara uma festa para um amigo gay, que está com a saúde bem debilitada por causa da Aids.
Mesmo para o leitor (ou a leitora) que não tenha grande intimidade com a obra de Virginia Woolf – que permeia de maneira brilhantemente sutil as duas outras histórias também –, “As horas” é um deleite. Não apenas um livro irresistível desde o seu início, mas também um daqueles volumes que depois que você lê, faz com que você se sinta recompensado – na sua inteligência e sensibilidade.
Quando li “As horas” fiquei tão fã de Cunningham, que fui atrás de outras coisas que ele já havia escrito – e me emocionei novamente com seu livro anterior, “Uma casa no fim do mundo”. E foi com grande expectativa que li, logo que saiu em inglês, “Specimen days” – que aqui foi lançado como “Dias exemplares” (como todos os trabalhos já citados aqui, pela Companhia das Letras). Embora um pouco mais cifrado para o leitor (especialmente brasileiro) que não tem intimidade com a obra do poeta Walt Whitman, “Dias” traz a sofisticada prosa de Cunningham numa outra estrutura de três histórias – e é muito bom!
Post grande demais para caber em um tamanho normal de postagem. Mais no link!
E foi com esse entusiasmo que encomendei “By nightfall”, o novo trabalho de Cunningham assim que ele saiu, há dois meses. Viajando para lá e para cá, como eu estava nas últimas semanas, separei o livro para as sempre intermináveis horas de avião. Pelas resenhas que tinham saído na imprensa americana – e também na inglesa – esse era um romance modesto, mas com uma premissa curiosa: Peter Harris, o dono de uma galeria de arte contemporânea de relativo sucesso em Nova York, casado, com 44 anos, de repente se vê extremamente perturbado pela presença na sua casa do cunhado, vinte anos mais jovem, que chega para uma temporada.
Mizzy – um apelido que vem de “mistake”, ou “engano”, que é como o filho temporão (que virou irmão caçula queridinho) é chamado por toda a família – pede abrigo à irmã, Rebecca (mulher de Peter), depois de ter passado por um tratamento para se livrar das drogas. Na rotina quase previsível do casal – que, apesar de tudo não é aborrecida, já que ele mexe com arte e ela edita uma revista literária –, Mizzy surge como uma provocação de liberdade: alguém que, embora não consiga se decidir por nenhuma delas, tem todas as possibilidades diante de si. Esse potencial de liberação que Mizzy representa ainda é ampliado por dois trunfos talvez perversos demais para o quarentão Peter: juventude e beleza.
Esta é a moldura – não, isso não é um trocadilho com o trabalho de “marchand” de Peter, que aliás, vende mais trabalhos “conceituais” do que quadros em si. E é dentro dessa moldura que os conflitos passam a se desenrolar. Será que Mizzy (cujo nome verdadeiro é Ethan) está mesmo “limpo” das drogas? Por que Peter, que nunca duvidou de sua inclinação sexual, sente-se inexplicavelmente atraído por Mizzy? Que tipo de mensagem Mizzy está mandando para Peter? O quanto sua galeria vai sofrer com a crise financeira que atingiu o mercado de arte em Nova York? Rebecca finalmente vai ter coragem de cortar o “cordão umbilical” do seu irmãozinho mais novo? E o quanto ela desconfia do que pode estar acontecendo (ou não) dentro de sua própria casa?
“By nightfall”, como tentei mostrar acima, tem elementos (ou “ganchos”) suficientes para prender a atenção do leitor… mas… mas não exatamente ao longo de um livro de mais de 200 páginas! Todos os conflitos desse (pegando emprestado na canção do New Order) bizarro triângulo amoroso se desenrolam em menos de uma semana. Assim, tudo acontece muito rápido – e, na minha opinião, caberia muito bem num belo conto. No entanto, por razões que posso apenas fantasiar (pressão da editora? vaidade do autor?), a narrativa “cresce” para tomar as proporções de um romance, e se arrasta em longas e inócuas elaborações sobre o poder da beleza, da arte, e sobre a crueldade da passagem do tempo.
“Juventude. Impiedosa, cínica, desesperadora juventude. Ela sempre vence, não é?”, pergunta Peter a si mesmo, já nas páginas finais de “By nightfall”. Essa elucubração – certamente uma das que mais falaram comigo – é bem pertinente, ainda mais se você pertence (como eu) à faixa etária do narrador. Porém, no meio de dezenas e dezenas de questionamentos que ele coloca ao longo do livro – muitos deles bastante repetitivos – ela fica perdida, entra como ruído. Ou pior, como “encheção de linguiça” para preencher mais uma página… Esse excesso de mini solilóquios distrai o leitor e nos faz perder momentos tão preciosos quanto este (que, não por coincidência, também fala de juventude – já que as divagações sobre arte, outro tema recorrente, são bem menos originais):
“É totalmente diferente das tragédias da idade, mesmo da idade média, quando qualquer indício de tempestade é ocultado pela gravidade, por feridas, pelo simples, enlouquecedor fracasso de não permanecer jovem. Juventude é a única tragédia sexy. É James Dean saltando no seu Porsche Spyder, é Marilyn indo se deitar”.
A tradução (talvez menos que apurada, mas no mínimo competente) é minha – desculpe-me, se for o caso. Mas mesmo assim é possível perceber nessas linhas o talento de Cunningham para descrever o que se passa nas mentes (e corações) mais sensíveis. Esse é o autor por quem me encantei – e com que prazer eu o “reencontrava” em uma página ou outra. Logo depois do desfecho da história – que, insisto, é brilhante, mas quase perde seu encanto depois de tantas passagens inúteis –, antes de dar uma última guinada na trama e fechar “By nightfall” de maneira emocionante, Cunningham nos oferece mais um parágrafo impecável, nas suas referências literárias, no seu estilo, na sua poesia (aqui, ainda na minha tradução tacanha):
“A história favorece os amantes trágicos, os Gatsbys e as Anna K.s, ela os perdoa, mesmo que os triture. Mas Peter, uma figura menor num canto indistinto em Manhattan, vai ter de perdoar a si mesmo, vai ter de triturar a si mesmo, já que parece que ninguém vai fazer isso por ele. Não há estrelas folheadas a ouro aplicadas no lápiz-lazúli sobre sua cabeça, apenas o cinza de uma fora de temporada tarde fria de abril. Ele, como todo o povaréu que não é lembrado, está educadamente esperando por um trem que ao que tudo indica nunca vai chegar”.
Não tire conclusões sobre o fim da trama por conta deste parágrafo. Escolhi-o menos como um “spoiler” do que como um excelente exemplo da prosa que esse autor é capaz de nos oferecer. Mesmo num livro que não é o máximo é possível vibrar com a habilidade de um escritor em sequestrar nossa atenção e imaginação com suas histórias. Como o título do post de hoje anuncia, livros ruins, de vez em quando, saem de autores bons, que amamos. A nós, leitores apaixonados, só nos cabe perdoar – talvez reler um trecho antigo que nos faça lembrar porque nos envolvemos com sua literatura em primeiro lugar, e torcer para que o próximo livro renove toda nossa esperança no poder de sermos seduzidos pelas palavras.
Olá, Matheus, tudo bem?
ResponderExcluirGostaria de avisar que o assunto de parceria deve ser encaminhado ao meu e-mail talitaackles@hotmail.com
Bjs,
Talita
http://leitoravoraz.blogspot.com